quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Por que escolhi esse caminho?

Hoje me perguntaram o que me fez querer seguir o caminho do magistério, achei que tinha a resposta na ponta da língua, mas fiquei tão surpresa quanto Santo Agostinho deve ter ficado quando lhe perguntaram o que é o tempo. Refleti profundamente sobre a resposta dele: “Se ninguém me perguntar, eu sei explicar, se me perguntar, eu já não sei.”, como se isso pudesse trazer minha resposta.
A menina estava fazendo um trabalho para a faculdade, aquela era uma das muitas perguntas a que eu deveria responder. Pensei em abordar o assunto de forma didática, explicando todo o meu percurso até chegar ali, abandonei imediatamente a ideia. Formulei uma resposta mais complexa, que envolvia todo um ideário social revolucionário, também deixei de lado todo esse conceito e finalmente me vi respondendo que queria simplesmente deixar uma marca nos meus aprendizes.
Os belos olhos castanhos da estudante do segundo período de Letras continuaram a me inquirir, mas não lhe disse o que aquilo significava para mim, essa é a minha história de amor com a profissão, não a dela.
Quando a jovem se foi, provavelmente pensando no quanto eu fora vaga, cismei em racionalizar minha resposta e concluí: se deixarmos pegadas nas areias da praia, o mar as apagará, caso as deixemos na neve, os próprios flocos gelados ou o degelo tratará de fazer o serviço, podemos ainda fincar nossos pés nas estradas de terra batida que existem por aí, no asfalto quente das ruas, nas vielas barrentas onde o pavimento ainda não chegou, nas escadas, nos morros... tudo isso será apagado pelo tempo.
Mas nada varrerá da mente de nossos alunos o que conseguirmos passar para eles, mesmo que não se lembrem o nosso nome, mesmo que não se recordem do som da nossa voz, mesmo que sequer evoquem os tempos da escola...
Não precisamos que guardem todas as fórmulas de física, precisamos que se lembrem que é uma ciência que trata do estudo da natureza e de como ela interage conosco; que a matemática nos ajuda a desenvolver o raciocínio; que a química está em tudo, desde elementos da natureza até nós mesmos, os humanos; que a biologia se dedica a entender todas as formas de vida do planeta.
Temos ainda a história, que pode ser usada a fim de compreender o passado, o presente e ainda tecer considerações sobre o futuro, queremos que nossos pupilos tenham ciência de que a geografia é muito mais do que gravar nomes de mares e rios, que a filosofia nos torna seres mais críticos, mais reflexivos, menos passivos diante das mudanças do mundo; a sociologia nos mostra como a sociedade funciona, ou ainda, onde ela é falha; a educação artística serve para se expressar, entender a expressão dos artistas e ainda, como forma de aquisição cultural; as línguas estrangeiras, tão massacradas, tão diminuídas pelo sistema, servem não apenas para ensinar gramática, mas para aproximar os estudantes das músicas que ouvem e dos filmes que assistem, é uma forma de descortinar um pouco as culturas estrangeiras; a educação física não estimula apenas a feitura de exercícios físicos, por meio dela, novos talentos da ginástica e do esporte podem ser descobertos...
Não por acaso deixei para falar por último sobre a nossa língua materna. Afinal para que ela serve? “Falamos português!”, dizem, “Não precisamos estudar isso!”, argumentam eles.
Entendendo o falar como fator de identificação social, precisamos ensinar nossos a alunos a se expressar bem, tanto na oralidade, como na escrita, a fim de que não sejam rotulados por “favelados” e outros termos pejorativos. Através do ensino de Língua Portuguesa, podemos mostrar que o lugar deles é onde quiserem estar, seja em uma comunidade ou em um teatro, seja em uma “resenha”, como carinhosamente chamam suas próprias festas, ou na universidade, onde é o lugar deles.

Oferecendo o nosso melhor, na medida do possível, porque hoje o nosso melhor está condicionado, infelizmente a fatores externos, estaremos marcando-os, para sempre, rumo ao futuro.

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