O
vento no rosto lhe trouxe uma sensação boa: liberdade!
Sentiu
o corpo tenso no minuto em que a moto parou, sabia o que deveria fazer, sequer
levantou os olhos ou se despediu, apenas respirou fundo, retirou o capacete,
arrumou os cachos e partiu. Quando virou a esquina fez sinal para um táxi,
precisava chegar descaracterizada. Minutos depois já estava de frente para o
letreiro.
Abriu
a bolsinha prateada tipo carteira e entregou seu ingresso na portaria. O lugar
estava lotado, mas recebera instruções expressas para onde deveria ir... perto
das mesas reservadas, e, a primeira coisa a fazer, era observar.
Alto,
cabelos raspados, brinco na orelha, pulseira e cordão de ouro... aquele era o
homem de quem deveria se aproximar. A tarefa não seria fácil, ele estava
cercado de outros homens, provavelmente seus seguranças.
As
pernas tremiam, todo o seu corpo a alertava de que deveria sair dali, mas sabia
que na rua seu destino estava selado, sua fraqueza teria um preço alto.
Pediu
uma bebida no bar, a primeira da noite seria para acalmar os nervos... Olhou
para o palco e viu belas mulheres contorcendo seus corpos ao som de um funk
proibido, a concorrência era enorme, mas Agnes tinha um diferencial, sua força
de vontade.
Perto
do bar havia um belo rapaz, ele estava dançando não com uma, mas com duas
garotas e provavelmente não se incomodaria de dançar com uma terceira. Ela foi
se aproximando devagar, insinuante. Logo o trio abriu espaço para a beldade
africana que chegou.
Sorridente,
primeiro ela dançou com uma das jovens, permitiu que a moça segurasse em sua
cintura e ditasse o ritmo da dança, sensual... bastante sexy. Embora não fosse
comum, duas mulheres estarem tão próximas assim, elas chamaram muita atenção e
o rapaz não resistiu, ficou entre as duas e acariciando a terceira jovem.
Como
Agnes imaginara, o alvo não ignorou a cena, não tirou os olhos do estranho
grupo.
“Estou
no caminho certo!”__ pensou. Mas embora isso parecesse ser algo positivo, ela
sabia que não havia nada de bom nisso.
___
Quer ir ao banheiro comigo? __ Era a morena que lhe segurara pela cintura que
estava perguntando.
Pensou
que aquilo poderia atrapalhar seus planos, mas talvez deixasse o alvo curioso,
pensando onde ela deveria estar.
___
Vamos. __ aceitou.
O
banheiro era péssimo, mas pelo que Agnes pôde constatar, atendia ao que a jovem
queria: cheirar cocaína. A mulher tirou um espelhinho da bolsa e dividiu com um
cartão a droga em duas carreiras finas, pegou uma nota e enrolou até que
formasse um canudo.
___
Você quer? __ indagou.
Ela
olhou a carreira e decidiu que aquilo já era demais.
___
Não, estou legal, obrigada. __ respondeu.
___
Eu gosto de cheirar um pouco, me deixa mais ligada, mas só faço de vez em
quando. __ a morena tentou se justificar.
“Como
se isso fosse possível.”__ concluiu, mas ficou em silêncio.
Como
a outra não aceitara, Mara aspirou rapidamente as duas carreiras, ficou meio
tonta. Abraçadas, saíram do banheiro e foram direto para a pista de dança, que
parecia ter ainda mais cores.
A
música frenética logo as engoliu e voltaram para onde estavam, mas dessa vez
com outros companheiros. Os homens eram bem audaciosos, tocavam os corpos
suados das moças como se fossem frutas em exposição em uma feira livre.
Esperta,
ela tratou de não olhar diretamente a área reservada onde queria chegar, apenas
fez parecer que estava cheia de energia... frenética. Não demorou para que um
homem se aproximasse e falasse algo em seu ouvido. Ela fez sinal positivo com a
cabeça e se despediu de seus parceiros de dança.
Ainda
encarnando a personagem, fez um ar de atrevida quando se viu frente a frente
com o traficante mais poderoso da comunidade, o “Cem”, como era conhecido.
___
E aí, morena, nunca te vi por aqui. __ começou ele.
___
Nunca vim aqui. Uma amiga me deu a dica. __ tentou parecer confiante.
___
E onde está a sua amiga? __ perguntou, desconfiado.
___
Eu me atrasei, ela chegou primeiro e já deve ter saído com alguém, ela não é do
tipo que fica sozinha por muito tempo, ainda mais em um lugar como esse. __
disse calma, a bebida já estava fazendo efeito.
Ele
deu uma sonora gargalhada, as garotas da pista gostavam dali.
___
Quer beber alguma coisa? __ perguntou simpático.
Embora
estivesse um pouco enjoada depois da vodka com energético, ela sabia que não
era boa ideia recusar.
___
Quero uma cerveja. __ aceitou ela.
___
Orelha, manda trazer um balde para cá. __ gritou.
“Esse
deve ser algum comparsa.” pensou. Olhou bem para o tal homem, queria gravar
mentalmente suas feições: magro, alto, rosto fino, cabelo curto.
Como
a música estava muito alta, não havia como conversar, se comunicavam aos
gritos. Rápida, ela decidiu que ficar ali parada não seria de grande valia.
Chamou-o para dançar, afinal estava ali para isso.
Ele
não a tocou, parecia fazer o tipo “voyeur”.
Agnes sensualizou o máximo que pôde, passava as mãos no próprio corpo, embalada
pela música. Relaxado, ele procurou acompanhar o ritmo dela. “Cem” era bom
dançarino, o corpo atlético não parecia sofrer com a própria performance.
As
coisas pareciam ir muito bem, ele aparentava estar bastante atraído por ela,
mas um dos homens com quem ele estava conversando quando chegara, se aproximou
e falou alguma coisa no ouvido dele. “Cem” a encarou com olhar frio. Agnes
começou a se desesperar, talvez tivesse sido descoberta, estava sozinha, não
tinha ninguém para ajudá-la.
___
Gata, __ ele gritou__ volta aí outro dia. Tenho que resolver uma situação.
O
suspiro involuntário saiu de dentro dela sem ser ouvido.
___
Tá, ok. __ respondeu.
Quando
os viu sair, foi ao banheiro e vomitou. Não aguentava mais de tanto nervosismo,
não conseguiria fazer aquilo.
Sabia
que ainda não estava na hora de ir embora, talvez houvesse alguém ali tomando
conta dela. Estava esgotada emocionalmente, mas os riscos ainda eram enormes.
Dançou
bastante, dessa vez tomando o cuidado de não aceitar nenhum parceiro. Passada
duas horas achou que já era seguro partir. Usou o celular novo para pedir um
táxi, que a deixou na metade do caminho para casa e em seguida, pediu outro
táxi que, enfim, a levou a seu destino.
Ele
não estava ali, o que era bom, lhe dava algum tempo com seus pensamentos. Num
último esforço, foi ao seu quarto e pegou na mezinha de cabeceira outro
celular, mais antigo e fez uma ligação.
No
primeiro toque veio uma voz masculina, aparentando ansiedade.
___
Oi, como foi?__ perguntou logo.
Novo
suspiro:
___
Não deu para conversar muito, dancei com ele, mas um homem o chamou e depois
foram embora. __ disse.
___
Conseguiu ouvir o que eles disseram? __ continuava ansioso.
___
Claro que não! __ retrucou irritada__ A música estava muito alta! Ah, meu Deus,
eu não vou conseguir fazer isso.
Agnes
começou a chorar.
___
Amor, __ a voz pareceu se abrandar__ não fique assim. Você está fazendo isso
por nós dois... Vai valer a pena...
Namoravam
há quase sete anos, o relacionamento passara por muitos altos e baixos,
ultimamente parecia ter estagnado, chegaram a um ponto que deveriam casar ou se
separar. A jovem ainda estava apaixonada por ele, mas tinha dúvidas sobre o
sentimento do amado, e, a partir dessa dúvida, e com a promessa de se casarem,
ele a convenceu de participar de um plano ousado.
Murilo
era segundo sargento da polícia militar do Rio de Janeiro, sua ambição era
subir rápido na carreira e sabia que prender um grande traficante e desmontar
sua rede seria muito bem visto pelos superiores, provavelmente ganharia uma medalha
por bravura e consequentemente, uma promoção. Para conseguir seu intento, persuadiu
Agnes a ser sua informante; ela deveria se aproximar de Kayque Alves, o
verdadeiro nome de “Cem”, observar tudo o que ele fazia e passar as informações.
Ela
fizera faculdade de “design” de moda
e trabalhava em uma loja como vendedora, sonhava em alçar voos maiores, mas o
desemprego e as contas para pagar deixaram-na assustada, isso fez com que
aceitasse aquele trabalho, apesar do salário não ser compatível com o que gostaria
de ganhar.
Murilo
era extremamente manipulador, tinha um temperamento explosivo, mas sabia ser
encantador quando queria, e isso o tornava perigoso. Mas, embora ela tivesse
medo desse lado dele, parecia estar sempre a espera de alguma mudança, de que
finalmente ele melhorasse... buscava sua aprovação.
___
Tive uma ideia. __ disse Murilo __ O que você acha de vir aqui em casa, eu faço
um almoço gostoso e ficamos juntos um pouco?
___
Olha, Murilo, estou cansada, não sei a que horas vou acordar... _ começou ela.
Aquilo
poderia representar uma rachadura, ela poderia reavaliar o plano e isso não era
nada bom.
___
Amor, __ disse com voz suave __ vou te ligar mais tarde, conforme for, mando um
táxi para te buscar.
Era
tarde demais para arrependimentos. Agora ambos corriam perigo, ele poderia ser
desmascarado em uma operação não autorizada e ela corria risco de morte, caso
descobrissem que era namorada de um policial.
Foi
difícil conciliar o sono, o sol já apontava no céu, mas por fim, o cansaço
venceu a ansiedade. Quando acordou, Agnes sentia dores por todo o corpo,
parecia não haver dormido nada. Como não estava acostumada a beber, também
estava com dor de cabeça.
Tomou
uma aspirina e sentou no computador para ler os jornais. A primeira notícia a
deixou chocada: um policial foi morto e deixado na rua. Aparentemente, ele não
estava de serviço naquele dia e não se sabia qual a motivação do crime e nem
como aconteceu.
Era
triste, mais uma vida brutalmente retirada, poderia ter sido Murilo. Respirou
aliviada porque não era o agora, noivo. Isso a empurrou rumo ao destino. Ligou e
avisou que iria vê-lo.
Uma
hora depois havia um táxi em sua porta para buscá-la, isso a animou um pouco. Ao
chegar a casa do amado, foi recebida com um buquê de lírios brancos. Ficou
encantada, não o imaginava capaz de tanta gentileza. Todo o medo que sentira no
dia anterior e o cansaço deram lugar a uma borbulhante felicidade, seu coração
parecia pular de alegria. Ali estava ele: de camiseta, bermuda e chinelos,
parecendo alguém que ia à praia, parado, na sua frente, segurando aquelas
lindas flores.
Agnes
correu para abraçá-lo, jamais duvidaria novamente de seu amor. Os braços
musculosos a envolveram em um abraço de urso, passaram toda a paz e
tranqüilidade que ela precisava.
___
Vou pagar o taxista e já volto. __ disse ele.
Toda
ela era luz, amor, paixão. Já nem lembrava mais de toda a desolação da noite
anterior, vendo as pessoas se drogarem daquele jeito.
Já
dentro de casa, ela recebeu um beijo longo e apaixonado.
___
Murilo, __ disse ela __ precisamos colocar as flores na água.
Com
ar amuado, enquanto ela ria dele, pegou um pote grande com água e as colocou
lá.
Agnes
o abraçou por trás, e novamente o desejo tomou conta deles, foram para o quarto.
Na cama macia, entre beijos e botões abertos, começaram a se amar. Sempre
tiveram paridade, ao menos na cama, sexo era algo que ambos gostavam, e muito.
Eram atléticos e flexíveis, até mesmo loucos em alguns momentos. Mas ela estava
ansiosa, os momentos que passou na noite anterior lhe deixaram marcas. Resolveu
que ditaria o ritmo da transa, ficou por cima e atou seus pulsos, mas decidiu
soltar as mãos dele para que segurasse seus seios fartos.
Murilo
também estivera muito tenso, estava cheio de energia. Segurou-a com força,
puxando-a para baixo, queria penetrar mais fundo nela. Agnes era tão quente,
tão deliciosa, nada o satisfaria mais do que estar dentro dela.
Minutos
depois, ele finalmente a dominou, colocou boa parte do seu peso em cima dela...
sugou seus seios, enquanto deslizava a mão pela coxa grossa em busca dos pelos
pubianos. Ainda excitado e firme, tocava sua vulva, com movimentos circulares, suaves,
sabia como potencializar o prazer que ela estava sentindo. Excitou-a tanto e de
tal forma que o gozo veio acompanhado de um longo grito de prazer. Não
conseguiu segurar mais, gozou também. A impressão que tinham era a mesma, toda
a energia que estava em seus corpos havia sumido, só conseguiram forças para
respirar.
Murilo
nunca tivera uma parceira como ela, só a proximidade de Agnes o deixava
excitado. “Ela é uma mulher e tanto.”, pensou.
O
momento enfim havia chegado, ela estava tranquila, serena...
___
Olha, eu sei que ontem foi difícil para você, mas eu preciso perguntar: como
foi? __ inquiriu.
Imediatamente
ela se levantou, colocou a calcinha, o vestido e estava procurando a sandália
quando ele os pegou.
___
Agnes, __ disse imperioso __ se você quiser ir embora depois de tudo o que
aconteceu aqui hoje, eu vou tentar te entender, mas não sei se vou conseguir.
Nós conversamos sobre isso antes, você sabe o quanto é importante para mim ter
alguém ali, observando ele.
Não
vestiu uma peça de roupa sequer, sentou nu, frágil, na ponta da cama, segurando
as tiras finas do calçado dela.
Agnes
tentou resistir, sabia que aquilo era manipulação, mas também sabia que
acabaria cedendo mais cedo ou mais tarde, prática, resolveu que seria naquele
momento então. Tirou as sandálias da mão dele e as colocou no chão, sentou-se
ao seu lado e começou a falar. Narrou sua chegada à casa de shows, como foi
chamada para se juntar a Cem, a pouca conversa que tiveram e a saída misteriosa
do criminoso. Detalhista, ela mencionou também as alcunhas pelas quais alguns
comparsas eram chamados.
Segundo
Murilo, Orelha era o braço direto do dono do morro, homem violento, com uma
longa ficha criminal: agressão, assalto a mão armada e tráfico de drogas.
Estava livre graças as manobras do advogado contratado para representar os
meliantes da facção.
Mas
ele se interessou mesmo foi com o possível motivo para a saída de Cem. Lamentou
que a namorada não tivesse ouvido nada, talvez o delinqüente estivesse
envolvido na morte do policial encontrado naquela manhã.
___
Eu... eu vou te ajudar, Murilo. __ disse Agnes.
Ele
não disse nada, apenas a abraçou. Sabia o quanto ela o amava e o quanto estava
sendo corajosa. Dependendo das informações que trouxesse, logo, logo tudo
aquilo teria um fim.
Agnes
quase esquecera tudo o que havia passado no final de semana anterior. Murilo
também não conversara mais com ela sobre isso, parecia que nada havia
acontecido. Mas, como o tempo pode mudar de uma hora para outra, a situação
dela também mudou.
___
Oi, amor, tudo bem? __ atendeu ela.
___
Amor, __ ele fez uma pausa longa do outro lado da linha__ hoje, hoje é sexta,
vai ter um show naquela boate... __ suspirou forte __ Ele provavelmente estará
lá.
Ainda
era meio dia, ela teria de trabalhar a tarde toda... Acabara repensando o que
dissera a Murilo, sobre voltar a ter contato com traficante... Mas havia muito
em jogo para ambos, e ela sabia o que deveria fazer.
___
Me encontre na minha casa. __ desligou o telefone sem se despedir.
Olhou
o relógio novamente, queria sair correndo da loja, queria fugir... queria...
queria que a vida fosse diferente.
Uma
mulher muito bem vestida entrou, juntamente com duas amigas, felizes e sorridentes.
Agnes imaginava que nenhuma delas seria obrigada a viver uma situação como a
dela.
Ironicamente,
a compra que elas fizeram foi enorme, a comissão seria grande. Mais uma prova
de quão distante a jovem estava daquele estilo de vida.
Com
um sorriso polido, a vendedora as acompanhou até a porta da loja.
Murilo
estava ansioso demais para ficar em casa esperando a chamada de Agnes, foi logo
para a casa dela e esperou por quase uma hora, até ela chegar.
A
jovem não se surpreendeu ao vê-lo, mas, ainda assim, tinha esperanças de que o
plano seria deixado de lado.
___
Oi. __ cumprimentou ela.
Um
beijo exploratório foi a resposta dele.
Tomou
um banho demorado, queria ter tempo para pensar.
“Como
foi que essa ideia surgiu?” __ se questionou __ “Em que momento da minha vida
eu achei que conseguiria ter êxito nesse plano louco?”, “Até onde devo
chegar?”. A essa última pergunta, provavelmente a mais importante, não tinha
resposta.
Já
havia despertado o interesse do traficante e sabia disso. Não queria esbanjar
sensualidade, seu plano era levar as coisas mais com calma, até para poder
ganhar tempo e conseguir o máximo de informações possível.
Escolheu
um short de vinil preto colado com uma blusa branca pouco decotada, as
sandálias de salto completavam o visual. De acessório, apenas um par de brincos
grandes. Na bolsa, estavam o batom, o celular novo, um molho de chaves, que na
verdade não serviam para as suas fechaduras, mas fazia parte da composição de
sua personagem, dinheiro e nada mais.
Murilo
olhou-a da cabeça aos pés.
___
Você está esquecendo uma coisa? __ disse ele ao se levantar.
___
Não, acho que não. __ respondeu ela.
Ele
tirou da mochila um embrulho e deu a ela. Era um vidro pequeno, com um aroma
delicioso e sensual.
___
Comprei esse perfume para você.__ disse ele __ Adoro o que você usa, mas quero
que se distancie de tudo quando estiver lá, não quero que se lembre de nada da
nossa vida naquele lugar.
“Nossa
vida?”, pensou. Sentimental, associou aquilo a uma referência do futuro que
pretendia ter ao lado dele. Ficou feliz e até mais animada. Era apenas um meio
para justificar os fins.
Cuidadosos,
mantiveram o mesmo esquema da primeira vez, ele a deixou a alguns quarteirões
da entrada da comunidade e ela pegou um táxi.
O
lugar estava cheio, exatamente como na semana anterior, mas para decepção de
Agnes, Cem não estava lá. Mas ela sabia que ele poderia chegar a qualquer hora.
Puxou conversa com uma jovem, a menina não deveria ter mais de quinze, estava
com roupas minúsculas e suas acompanhantes não pareciam ser mais velhas do que
ela. As garotas se esforçavam para parecer experientes, riam alto e falavam de
suas façanhas com os rapazes.
A
design só conseguia sentir pena delas, seus corpos, ainda em formação, estavam
literalmente sendo maltratados pelo uso excessivo de bebidas, noites sem dormir
e drogas. A cidade maravilhosa também tinha seu lado feio, triste e abandonado,
não se restringia as belas praias e pontos turísticos.
___
Sabia que te veria de novo, gata. __ a voz era grossa, profunda, fez com que seu
coração acelerasse.
___
Oi. Você falou para eu voltar... __ Agnes sorriu.
___
Vem comigo, tem uns parceiros ali que eu tenho que falar. __ segurou-a pelo
braço.
O
camarote estava repleto, rostos que ela nunca havia visto antes, mas que
procurava desesperadamente gravar as feições.
Todos
se abraçaram, confiantes da impunidade. Algo prateado chamou atenção dela, era
um pistola, estava na cintura de Orelha. Percebendo a direção do olhar dela,
ele a olhou de volta, mas não se deu ao trabalho de cobrir a arma, apenas a
encarava, havia malícia e maldade no olhar dele.
___
Quem é a garota? __ perguntou um que tinha várias tatuagens nos dedos.
___
Ela veio aqui esses dias. __ respondeu ele __ Nós vamos nos conhecer melhor.
Todos
riram.
___
Meu nome é Agnes. __preferiu dar o nome verdadeiro, não queria se confundir.
___
Nome diferente, heim, morena. __ disse Cem __ Gostei.
___
Nome diferente, um rosto que nós nunca vimos aqui na favela. Estranho...__ Orelha
era intimidador.
___
Relaxa, mano.__ interveio Cem __ Você tá muito nervoso. O baile vai rolar sem
problemas, cara. Já paguei o arrego do homens, a polícia não vai invadir.
___
Cem, depois que largaram aquele corpo aqui na entrada, os caras estão de olho
em nós. __ argumentou outro traficante, parecia ter no máximo uns vinte anos.
___
Eles vieram aqui, não vieram? E não encontraram nada. Nossas armas estão bem
escondidas, levaram uns “de menor” e duas pistolas. Calma que quem fez isso vai
pagar. Nossos negócios com o batalhão estão indo bem.
Aquela
era uma informação quente, Murilo iria adorar saber. Havia uma imensa corrupção
na polícia, mas poucos casos eram investigados.
Pediram
várias bebidas, mas a maioria bebia whisky com energético, ela pegou para si
apenas uma lata de cerveja, que não soltou em momento nenhum.
Várias
garotas foram convidadas para o camarote, uma delas era Mara, a mulher que
oferecera cocaína para Agnes. Ao reconhecer a acompanhante de Cem, ela deu um
gritinho de alegria e a abraçou com ternura.
A
música envolvia os sentidos, os corpos se mexiam quase incontrolavelmente, era
um espetáculo ver todas aquelas mulheres dançando, e os homens se uniram a
elas.
Cansados,
Agnes e Cem foram para um canto e tentaram manter uma conversa.
___
Você dança bem. __ disse ele.
___
Obrigada. Adoro dançar, me divertir... __ ela estava sem fôlego.
___
E o que uma gata como você procura? Quem sabe posso te ajudar. __ disse ele já
se insinuando.
___
Não procuro nada. Só quero esquecer os problemas. __ foi sincera.
___
Problemas com o namorado? __ questionou ele.
___
Na verdade não, porque não tenho namorado.__ mentiu ela __ Só a vida mesmo.
Trabalho, contas para pagar... essas coisas.
Continuaram
conversando. Agnes se surpreendeu positivamente com ele. Cem parecia ser uma
pessoa inteligente, entendia de vários assuntos e viagens parecia ser o seu
maior interesse.
___
Mas para mim é difícil sair da favela.__ disse ele__ Meu rosto está em tudo o
que é lugar. Então procuro me cercar de tudo o que eu preciso. Minha casa é
fantástica, montei uma academia, tem piscina e uma mesa de sinuca. E muitos
quartos também.
___
Eu não duvido que deva ser maravilhosa, mas também imagino que muitas pessoas
passem por lá, não é mesmo? __ perguntou ela.
Aquela
era uma gata diferente das que ele estava acostumado, parecia ser inteligente e
ele queria ver onde aquilo iria chegar.
Quando
bem pequeno, quisera ser bombeiro, mas a
vida o aproximara de outro tipo de fogo. Na favela o achavam diferente, um
homem imprevisível, e gostava de ser assim.
____
Princesas, __ disse o dono da favela __ tem umas carreiras disponíveis aqui
para vocês, quem quiser pode se servir.
Como
abutres voando em cima da carcaça, algumas se aproximaram, inclusive Mara. Era
assim que ele as via, eram todas descartáveis. Mas Agnes não se aproximou, o
que o deixou intrigado.
___
Não quer? __ perguntou ele.
___
Não uso. __ respondeu ela __ Mas, por mim, tudo bem se você quiser usar.
Ele
apenas deu um sorriso amarelo e disse:
___
Não cheiro, nem fumo maconha.
___
Ah, sei... __ provocou Agnes.
___
É verdade. Não uso. Isso estraga a mente. Prefiro ficar focado, tenho quem
experimente para saber se o produto é bom. __ concluiu ele.
Ela
queria saber mais, ficara intrigada, mas a colega a puxou para dançar.
Já
que estava ali e já tinha boas informações, pensou em se deixar levar um pouco.
Dançaram
a noite toda, entre uma cerveja e outra ele a observava, ela o enchia de tesão,
mas depois resolveria isso, qualquer uma ali adoraria conhecer ou voltar a ver
sua cama, não dormiria sozinho.
Agnes
notou a ausência de Mara, olhou por todo lado e não a viu. Achou que talvez ela
estivesse no banheiro e foi verificar. Encontrou-a visivelmente drogada, mal
conseguia ficar em pé, o que viu a seguir deixou-a horrorizada. Orelha estava
segurando a moça contra a parede e estava prestes a abusar dela.
___
Mara, eu estava te procurando, amiga. __ disse Agnes.
___
Ela está bem, pode ir. __ disse Orelha.
___
Estou vendo que ela não está bem.__ argumentou__ É só olhar para ela!
Irritado,
Orelha a olhou nos olhos.
___
Olha aqui, não se meta onde não é chamada. Já disse que ela está bem.__ ele
parecia bem irritado.
___
Eu não vou sair daqui. Não vou deixar você fazer nada com ela! __ Agnes sabia
que corria risco, mas já era tarde demais.
Ele
puxou a arma, encostou no rosto dela. O contato frio do aço não era nada
agradável, ela queria chorar, seus olhos ardiam com o enorme esforço que fazia
para conter as lágrimas, suas pernas estavam trêmulas.
___
Que isso, Orelha?! Guarda o ferro. __ a voz de Cem estava alterada.
Ainda
demorou um segundo e mais uma olhada para que o capanga finalmente fizesse o
que o outro mandara.
___
Ela veio se meter onde não era chamada. __ disse Orelha.
Agnes
não falou uma palavra sequer, apenas pegou Mara e se encaminhou de volta para o
camarote. Pediu uma garrafa de água e tentou fazer com que a outra voltasse a
si. Assim que viu sinais de melhora, contou o risco que acabara de correr.
___
Olha aqui, eu nem te conheço, mas sei que se você voltar aqui, as coisas não
vão ficar muito boas para o seu lado. Suma daqui e não volte mais. Vou te
colocar num táxi.
Ela
queria fugir, pegar outro táxi, mas acabou voltando.
___
Olha, Cem, quero te agradecer por me ajudar. Eu não sei o que me deu... __
disse trêmula.
___
Senta aqui, gata. O Orelha é um idiota, ele não ia fazer nada com você. Aqui
ninguém faz nada sem uma ordem minha.
De
alguma maneira ela se sentia ligada ao traficante, devia a sua vida a ele.
Ficou
mais algum tempo e alegou cansaço, se despediu e foi embora. Algo dizia que não
deveria ir direto para casa, poderia ser paranóia, mas pegou dois táxis.
Dessa
vez não queria encontrar Murilo, estava muito abalada com o que acontecera,
apenas mandou uma mensagem de voz para ele e desligou os telefones, tanto o
novo, como o antigo.
Mas
não dormiria muito. Murilo estava tocando a campainha. Estava tenso, queria
saber mais detalhes.
Paciente,
ela contou a história diversas vezes. Ele não gostou de saber que Orelha a ameaçara.
___
Você está preocupado com o seu maldito plano?__ ela estava triste__ Mas e eu?
Agnes
não era treinada para o que estava fazendo, ele deveria ser mais comedido nas
palavras. Tratou de acalmar a moça e pedir desculpa. Ele sabia ser gentil
quando queria, ainda mais quando precisava.
Nas
semanas seguintes, ficou claro que Cem queria aprofundar a “amizade” com Agnes,
mas ela não queria.
___
Amor, estamos tão perto. __ a voz de Murilo era macia __ Por favor, não podemos
parar, as informações que você tem trazido são ótimas. Enrole ele mais um
pouco, se... se não der... pense em mim, em nós... na hora. Amor, não foi você
quem disse que ele é um cara razoável? Então, isso é um bom sinal. Vocês...
vocês devem ter alguma afinidade...
Aquele
não poderia ser o homem com quem queria se casar, ter filhos... uma vida.
Provavelmente aquele homem só existia na sua cabeça, ela o construíra com o
amor de uma mulher carente. Jamais havia sido amada, estavam no limiar, parados
no tempo, vivendo a sombra dos primeiros meses de namoro, quando realmente
foram felizes. Nojo, ela estava com nojo dele.
___
Tudo bem, eu vou. __ disse, enquanto o
olhava sentado na cama.
___
Eu te amo. __ disse Murilo, beijando o pescoço dela.
Agnes
pediu que ele fosse embora de sua casa, disse que faria o trajeto sozinha,
queria se concentrar.
Suas
mãos tremiam, não havia mais esperança nem para ela nem para Murilo.
Era
outra pessoa quando desceu do táxi. Os seguranças já a conheciam, foi direto
para o camarote. Ele estava lá, dançava com uma mulher tão ou mais bonita do
que ela. Aproximou-se devagar, dançou um pouco sozinha, até que ele a visse e a
chamasse, deixando a outra mulher de lado.
___
Hoje você está diferente. __ disse ele.
___
Eu? Talvez você esteja diferente. __ inverteu ela.
Agnes
aproximou-se mais ainda, não havia outro jeito de respirar que não fosse o
hálito um do outro. Os corpos se esfregando, as mãos se tocando, as línguas se
enroscando, perdidos na saliva um do outro, ficaram sem fôlego.
___
Você é muito gostosa. __ disse ele.
___
Eu quero dançar, me divertir. __ desconversou ela.
Dançaram,
se beijaram, beberam, se divertiram até que fosse insuportável demais ter a
companhia de outras pessoas.
A
porta bateu com força na parede, os amantes não se preocuparam em fechá-la,
foram direto para o quarto.
Agnes
não olhou em volta para saber como era, estava consumida por uma febre que
corroia toda a sua percepção, não havia o que ver ou se lembrar.
De
pé, precariamente vestidos, ele pressionou-a contra a parede, segurou o rosto
dela com as duas mãos, até que sua boca estivesse entreaberta, para receber um
beijo explorador. Virou-a para abrir o nó da pequena blusa que ela usava, mas,
mudou de ideia, levantou a saia, como se fosse apenas uma cortina, que impedia
de deixar o sol entrar, e tirou sua calcinha enquanto respirava forte. Não
sabia bem como lidar com aquela mulher, ela era diferente, tinha algo estranho
nela, mas não havia muito que pensar naquela hora, queria sentir tudo o que
aquele corpo poderia oferecer, e assim o fez.
Sôfrega,
Agnes deitou-se, como viera ao mundo, estava entregue a toda a loucura que
estava por vir. Kayque sentia que ela se contorcia embaixo dele, mas queria uma
entrega total.
Ela
o apertava forte, escorregava suas pernas sob suas nádegas, mas tinha suas mãos
atadas pelas dele, de maneira que sentia-o apenas pela ponta da língua, gotas
de suor salgadas e cheiro de prazer.
___
Deliciosa. __ a voz dele estava rouca.
Agnes
apenas gemia, quando o sentiu dentro de si. Sensual, provocante, entrava e
saía, fazendo-a quase implorar por mais. Estava completamente úmida, o que dava
ainda mais vontade a ele de continuar. Com uma das pernas dela sob seus ombros
e a outra embaixo de si, ele tinha a oportunidade de segurar os seios fartos e
ainda tocá-la, excitando-a ainda mais. Ambos se movimentavam rapidamente quando
chegaram ao êxtase, gritaram e sentiram seus corações batendo desesperadamente.
Não
disseram uma palavra, nem se beijaram, apenas ficaram ali, parados, quietos,
respirando juntos, até que adormeceram.
Antes
que o sol nascesse por completo, Agnes se levantou, andou por toda a casa e viu
como o dinheiro do tráfico de drogas custeava o luxo em que aquele homem vivia,
mas sabia que seria arriscado ficar mexendo nas coisas, portanto, se limitou a
olhar. Imaginava que em algum lugar ali deveria haver algum tipo de caderno ou
livro contábil, mas deixaria para procurar isso outro dia. Voltou para o quarto
e se deitou, muito embora soubesse que não conseguiria conciliar o sono.
Pouco
depois Kayque acordou, levantou nu e foi até o banheiro. Ela pegou suas roupas
e a bolsa, quando ele saiu, Agnes já estava pronta.
___
Antes de você ir, __ disse ele__ me dá o seu celular.
Murilo
tivera uma ótima ideia ao propor que ela tivesse um novo aparelho, repleto de
contatos falsos, de alguma maneira previra um momento como aquele.
O
bandido mexeu por algum tempo e finalmente devolveu celular para ela.
___
Gata, coloquei aí o meu contato e peguei o seu, assim, quando estiver com
vontade de me ver, é só me ligar. __ disse sorrindo.
Despediram-se
com um beijo breve.
Antes
de pegar o segundo táxi, Agnes ficou parada na rua por um tempo, queria ter
certeza absoluta de que não estava sendo seguida, não era profissional, mas
para o seu bem, tentaria ser.
Já
em casa, não ligou para Murilo, nem correu para tomar banho, os pensamentos
eram impertinentes e lhe traziam memórias da noite anterior, admitia para si
mesma que estava louca de desejo por aquele momento, já não era completamente
inocente naquele jogo de vida ou morte. Com um sorriso brincalhão nos lábios,
se enroscou em seu travesseiro e acabou cochilando.
Existem
batalhas imperiosas, que não dão tempo ao corpo para descansar... Essa era uma
grande luta para Murilo e ele tinha necessidade de respostas. Foi à casa de
Agnes.
Demorou
para que ela atendesse a porta e, ao fazê-lo, ainda estava com as roupas do dia
anterior.
___
Oi, amor, tudo bem? __ disse ele buscando esconder sua ansiedade.
Ela
apenas sinalizou que sim com a cabeça. Agora que havia dormido com Kayque, não
sabia bem como ficariam as coisas entre ela e Murilo.
Conversaram
banalidades por algum tempo. Ela fez um café e se sentaram na minúscula
cozinha.
___
Liguei para você ontem. __ disse o policial.
___
Ah... __ foi a única palavra dela
___
Chegou tarde? __ inquiriu ele.
___
Cheguei hoje. __ respondeu, cortante.
Ficaram
em silêncio, pensavam em várias coisas para falar, mas mantinham-se calados.
___
Lembra daquele policial morto em serviço mês passado? __ perguntou Murilo.
___
A família dele e de outros policiais farão um ato contra a violência amanhã. __
disse, sem esperar a resposta dela.
Aquele
era um lembrete.
Sem
forças, ela contou, sem detalhes, como fora a noite anterior. Achou que o namorado
explodiria, ficaria enciumado, mas ele a surpreendeu com um pedido:
___
Desculpa, Agnes, me desculpa.__ sussurrou.
Um
sussurro que quase parecia um uivo, o choro de um animal que sentia que a dor
iria aumentar.
Tudo,
para ela, parecia estar fora do lugar, a própria Agnes não sabia mais qual a
sua função, missão, ou o que quer que fosse no mundo.
Ele
a abraçou longamente e ela correspondeu ao abraço. Quanta confusão!Mas aquela
era a sua vida real, por mais que não parecesse, era a sua vida.
Não
transaram, mas passaram o sábado juntos e, no domingo, passearam na praia.
Murilo correu atrás dela na areia, mergulharam juntos no mar.
___
Nossa, amor __ era a primeira vez que ela o chamava assim __ parece o nosso
primeiro ano de namoro!
___
Não quero que você vá lá na sexta. __ disse Murilo durante o almoço.
___
Jura? __ ela parecia encantada.
___
Estarei de folga, podemos ir ao cinema.__ emendou ele.
A
resposta ao convite foi um beijo, aquilo poderia ser um recomeço, esqueceriam
tudo e viveriam plenamente.
Como
num piscar de olhos, a semana passou, foram ao cinema na sexta e saíram para
jantar depois. De mãos dadas chegaram a casa dele e, como já conhecia tudo ali,
ela foi pegar água na cozinha. Estava entretida, rindo do namorado, que não
tinha nada na geladeira, com exceção de água e algumas frutas, quando o ouviu
falando baixinho no telefone.
___
Parceiro, eu tenho um plano genial, vou acabar com o Cem e toda a corja dele.
Ela
não quis fingir que não ouvira a conversa, pelo contrário, continuou de pé,
atrás dele, até que Murilo se virou e a viu. Despediu-se de quem quer que fosse
dizendo que depois se falariam.
___
Um plano genial? É isso mesmo o que eu ouvi? __ ela estava com raiva.
___
Agnes... olha... eu sei que foi difícil para você transar com aquele cara. Eu
mesmo fiquei me sentindo péssimo com o que te fiz fazer, por isso não quis que
você voltasse lá na sexta, mas... mas a verdade é que eu preciso muito de uma
informação quente. Se tiver alguma coisa que eu possa mostrar para o meu chefe,
isso tudo acaba. Não me entenda mal, mas em momento algum eu disse que o plano
estava acabado. Se você desistir agora, tudo vai ter sido em vão. __ disse ele.
Para
infelicidade dela, ele estava sendo sincero, Murilo não pusera fim ao plano
perigoso. Sentia-se miserável e frustrada. Kayque era um criminoso, mas ela não
era melhor do que ele.
___
Eu vou para casa. __ disse ela em voz baixa.
___
Posso te levar? __ perguntou ele.
___
Não. Olha, eu só vou me reestruturar, pensar um pouco em como agir daqui para
frente. Não se preocupe, mais tarde eu te ligo. __ prometeu Agnes.
Já
em casa, num impulso, mandou mensagem para o traficante, disse apenas “Oi”. Ele
respondeu com outro “Oi”. A partir daí, conversaram todos os dias pelo celular.
Surpreendentemente, ele era um homem com alguma cultura, escrevia bem, conhecia
várias músicas, algumas que ela jamais ouvira antes e era amante de filmes.
Segundo
ele, a mãe ouvia muitas músicas daquela quando era criança, fizera questão de
que o filho tivesse uma boa formação. Embora o pai não tenha feito parte da
criação do menino, ela o colocara para estudar em uma escola particular do
bairro, acreditara que ele seria um homem de bem. Mas ele era fascinado pelo
poder, por armas, pelo dinheiro. Quando surgiu a oportunidade, ainda na
adolescência, de entrar para a criminalidade, ele a agarrou como uma tábua de
salvação, havia algo escuro dentro dele. Afastou-se de todos que amava porque
sabia que seriam alvos fáceis nas mãos de seus inimigos. Sua família seria
formada pelos seus “comandados”.
Alguns
escolhiam esse destino por achá-lo mais fácil, teriam dinheiro rápido e
proveriam a si e a família. Mas, havia ainda um outro perfil de criminosos, os
que simplesmente herdaram a vida do crime. O pai, ou até mesmo um membro da
família, pertencia a alguma facção e era esperado, desde criança, que se
seguisse o mesmo rumo.
Agnes
acreditava que essas informações ajudavam a traçar um perfil de Cem, mas
manteve as conversas em segredo, não passou para o namorado, provavelmente ele
não veria isso da mesma maneira que ela.
Kayque
queria vê-la imediatamente, mas para ela seria complicado, teria que acordar
muito cedo para ir trabalhar. Sincera, explicou isso a ele, que aparentemente,
entendeu.
Todos
os dias mandavam mensagens um para o outro, desejando ou um bom dia, ou boa
noite. Às vezes, ele entrava em contato no meio do dia, dizendo apenas que
passou para dar um “alô”.
Murilo
estava ciente do erro que cometera, sabia da fragilidade da situação e resolveu
dar um tempo para Agnes. Começara a pensar nas consequências da operação não
autorizada, acabaria perdendo tudo, a namorada, a promoção e a confiança de
seus superiores. Tornou-se um homem atormentado pelo arrependimento. Mas o
amigo, João, com quem compartilhara seus planos não pensava assim, aquela era
uma favela com grande poder bélico, muitos policiais morriam quando tentavam
invadir o local. Eles haviam entrado para a Polícia Militar juntos e sonhavam
em chegar a um alto escalão.
Sem
consultar Murilo, João contou ao supervisor sobre o plano, mas não revelou quem
era a isca. Após uma reunião a portas fechadas, veio a ordem de seguir com a
operação.
Murilo
ficou irritado com o amigo, mas sabia que não conseguiria manter aquele segredo
por muito tempo. Agora não havia mais como voltar atrás, Agnes deveria ser
persuadida a continuar.
___
Oi, linda. __ era ele, Murilo.
___
Oi, estou no trabalho agora, não vai dar para falar muito. __ disse fria.
___
Posso passar na sua casa na sexta para conversarmos? __ perguntou ele.
___
Sexta eu vou ao aniversário de uma amiga, devo chegar tarde. __ respondeu ela.
Depois
de anos de namoro e acostumado a lidar com vários tipos de pessoas, Murilo
desconfiava que ela estivesse mentindo, mas não insistiria.
Na
cabeça de Agnes ela teria só mais um encontro com Kayque, revistaria sua casa e
conseguiria algo que pudesse ajudá-la a sair daquela situação, por isso mentira.
Na sexta ela iria para a favela.
Já
havia um homem de moto esperando por ela.
___
Vamos dar uma volta pela comunidade. __ convidou Cem.
Acompanhou-o.
Muitos
moradores o cumprimentaram, outros apenas desviavam o olhar, mas ele não se
importava com isso, estava animado falando sobre como a vida ali era mais livre
do que no “asfalto”.
Na
verdade o que ele a estava exibindo, queria que os moradores conhecessem sua
nova conquista. Ela não era dali, mas depois do pequeno passeio, seria como se
morasse no lugar desde criança. Já na casa dele, beberam uma cerveja e
conversaram um pouco.
Os
primeiro beijo da noite foi um pouco tímido, Agnes já não era mais uma mulher
como outra qualquer, provara ter um diferencial. Os outros foram mais intensos.
Dessa vez não foram para o quarto, ficaram no amplo sofá.
Não
havia mais nada o que provar para o outro, a combinação era perfeita, queriam
apenas desfrutar novamente do prazer que tiveram anteriormente.
Kayque
fez com que ela ficasse de frente para ele, queria olhar nos olhos da jovem
enquanto era engolido por ela. O ritmo era lento, marcado, cheio de suspiros e
gemidos. Com o rosto entre os seios dela e as mãos ocupadas em acariciá-los,
ele estava entregue ao desejo.
Certa
de que aquela era uma grande loucura e alucinada pelas fortes sensações, ela o
controlava por meio de movimentos circulares. Com força Kayque a puxava para
baixo e ela o repreendia levemente, tirando as mãos dele de seus ombros. Ainda
havia muito a ser feito. Finalmente deitaram, ele por baixo e com as pernas
fechadas e Agnes sentada, inclinada para trás, se equilibrando sobre as mãos,
deixando-o livre para acariciar-lhe o clitóris.
Ela
gritou alto quando veio o gozo, todo seu corpo tremia e se contraía com força.
O estímulo promovido pela vagina dela fez com que ele não se contivesse mais,
apertou-a forte e gozou também.
___
Você é incrível, sabia? __ disse ele.
___
Não, não sou mesmo. __ respondeu ela.
Kayque
se levantou, puxou-a para si e a beijou, foram para o quarto, estavam exaustos,
deitaram na cama e dormiram.
Ela
se esgueirou para o lado da cama assim que teve certeza de que seu parceiro
estava num sono profundo, foi até a sala e começou, meticulosamente, a abrir as
gavetas, livros, qualquer coisa que tivesse anotações.
Estava
entretida quando ouviu um som baixo, vindo de trás de si, virou imediatamente e
se deparou com Orelha.
Havia
um ódio imenso em seus olhos. Ele a olhou toda, de cima abaixo: os seios
volumosos, a cintura fina, os pelos pubianos curtos e negros, as coxas redondas
e convidativas.
___
Sua vadia! __ disse ele __ Eu sabia que tinha alguma coisa errada com você!
Você é uma X-9, está aqui para espionar o Cem. Mas quem fala muito amanhece com
a boca cheia de formiga.
Não
passou pela cabeça de Agnes procurar algo para se cobrir, estranhamente ela se
lembrou de quando era criança e foi flagrada mexendo nas coisas da mãe. Sua
mente viajou por essa época, era tão livre, tão feliz...
___
Você não vai falar nada? __ perguntou Orelha.
Com
o cérebro funcionando a pleno vapor, ela respondeu:
___
Não, eu não tenho nada para te falar.
___
Sua vadia, __ disse o homem, enquanto se aproximava __ é claro que você tem que
falar alguma coisa.
Ele
se aproximou e a segurou pelo braço. Emanavam dele sentimentos confusos, como
raiva e desejo. Orelha se aproximou dela a ponto de quase encostar em seu
rosto:
___
Você é uma safada. __ ele inalava fortemente o ar __ E eu vou provar!
Agnes
viu a excitação dele e resolveu aproveitar isso em sua defesa.
___
Vou chamar o Kayque e assim resolveremos isso. __ falou enquanto olhava para
baixo, mostrando que estava ciente do estado em que ele estava.
Humilhado,
bateu em retirada.
Ela
sabia que ele a vigiaria de perto e tomou uma decisão. Pela manhã, quando
Kayque acordou, contou a ele sobre o episódio ocorrido na sala, não omitiu
nada, nem o fato de estar sem roupa, nem sua procura.
___
O que você estava procurando? __ perguntou ele.
___
Vai parecer ridículo, mas eu queria uma revista, um livro, qualquer coisa para
ler. Você estava dormindo, tive insônia, não queria te incomodar ligando a
televisão. __ respondeu ela de forma lenta e controlada __ Jamais eu iria
imaginar que aquele homem ia entrar porta adentro e me ameaçar daquele jeito.
Cem
ficou em silêncio. Agnes sabia que ele tinha uma arma embaixo da cama, sua vida
estava em perigo e ela mesma provocara aquela situação com o seu descuido. Estava
ciente de que nada o faria parar, ele acabaria conseguindo todas as informações
que queria.
A
maneira como se respira demonstra os sentimentos, pensando assim, buscou
respirar de forma lenta e profunda, cuidando para que nada transparecesse em
seu rosto.
___
Realmente parece ridículo...__ disse ele __ Não sei se acredito em você.
___
Bom, isso é um direito seu: desconfiar. __ disse ela com voz baixa __ Lido com
a suspeita do seu pessoal desde que eu cheguei aqui. No seu lugar eu não
pensaria diferente, confesso. Mas uma coisa eu te digo, seu parceiro não sente
só ódio por mim, eu sei o que eu vi, e sei também o que está por vir... Não sou
burra Kayque, não viria aqui para te espionar, correndo o risco de morrer. O
que eu ganharia com isso? Qual a vantagem de ser mulher de traficante? Tenho a
minha casa, o meu trabalho! Eu nunca quis isso para mim, mas aconteceu, fazer o
quê? __ olhando-o diretamente nos olhos, ela viu que ainda havia muita
desconfiança __ Me responde uma coisa: se eu fosse realmente culpada de alguma
coisa, por que eu te contaria o que aconteceu?
Agnes
sabia que havia criado uma dúvida razoável, havia chances de viver e de morrer
também. Não podia contar com o bom senso de um criminoso, mas contava com a sua
própria determinação em se manter viva.
Ele
já estivera de frente para a morte por diversas vezes e sabia qual era a
sensação, podia sentir o medo dela, mas não um medo irracional, ela estava
calma, era apenas um medo compreensível.
___
Eu sou um homem procurado, não posso dizer que tenho muitos amigos, minha
família é o meu pessoal. Somos todos muito desconfiados, de tudo e de todos. __
disse ele.
O
que significava aquilo? Agnes havia conseguido convencê-lo de que falara a
verdade? Tinha receio de pensar que sim e estar errada.
___
Nunca conheci uma mulher que gostasse de ler, as meninas geralmente vêm para cá
procurando outras coisas... Resumindo, não tenho livros, nem revistas em casa.
__ ele parecia estar se desculpando. __ Também não sou do tipo que gosta de
ler, eu fazia isso antes, mas para fazer trabalhos na escola.
___
Tudo bem. __ disse ela, da mesma forma calma que antes __ Eu também não deveria
ter mexido nas suas coisas.
De acordo com Einstein, há duas formas de se viver a vida: uma é
acreditando que não existe milagre, e a outra é acreditando que todas as coisas
são um milagre. Daquele dia em diante, Agnes acreditaria que toda a sua vida
era um prodígio.
Ela
foi em direção a bolsa, pretendia ir embora enquanto era tempo.
___
Onde você pensa que vai? __ perguntou ele.
___
Para casa. __ respondeu ela, de costas para ele.
___
Fique aqui mais um pouco. Não quero que vá. __ pediu ele.
Ela
se deixou ficar, tanto naquele dia, como no seguinte. Voltou tarde da noite de
domingo. Mal entrara em casa, quando ouviu o barulho da campainha.
___
Foi boa a festa da sua amiga? __ era Murilo quem perguntara.
Ela
ficou sem reação, já tivera emoções demais.
___
Eu... eu não esperava você aqui. __ disse fraca.
___
Estive aqui na sexta, ontem... e quando não vi nenhum movimento, percebi que
você não havia voltado para casa. Seu telefone estava desligado. __ disse ele
furioso.
___
Fala baixo, está tarde. __ pediu ela.
___
Você mentiu para mim! Você mentiu para mim! Esteve lá todos esses dias e não me
contou nada! __ disse ele aumentando ainda mais a voz __ Dormiu com ele, não
foi? Fala! Fala!__ segurou o rosto dela com força.
___
Sim, Murilo, eu dormi com ele! __ desabafou ela __ Mas eu não sou a única
mentirosa aqui, você também me enganou, você também mentiu!
___
Não era para você ter ido lá sem a minha permissão. Era para eu saber!__ ele continuava
fora de si __ Quantas vezes vocês transaram? Uma, duas? O que foi que
aconteceu? Agnes, me conta ou eu vou enlouquecer.
___
Para de me torturar com o seu ciúme! __ pediu ela __ Para!
Ele
a abraçou, beijou desesperadamente seu pescoço, buscou a boca, mas não a
encontrou porque a jovem virou o rosto. Abraçou-a mais fortemente, queria que
ela fosse sua de qualquer maneira, não podia perdê-la.
___
Chega, Murilo, me solta. __ foi enérgica ao se desvencilhar dele.
Ambos
ficaram ofegantes com aquela quase luta.
___
Vá para casa... Vamos conversar, mas não agora. __ disse ela.
Alguns
dias depois ela ligou para Murilo, marcaram de se encontrar perto do trabalho
dela. Ele não levou flores, estava sério, parecia ter passado a noite em claro.
Ela, por sua vez, também pensara muito em tudo o que estava vivendo. Concluiu
que estava confundindo as coisas, Kayque era um bandido, um criminoso, a
escória da sociedade. Havia visto apenas um lado dele quando estavam juntos,
mas ele possuía muitos outros e não eram nada bons.
A
conversa dessa vez transcorreu mais tranquila, Murilo parecia estar sendo
sincero quando disse que estava triste. Contou a ela que seus superiores já
estavam sabendo do plano e deram aprovação para seguir em frente; aproveitou o
momento para reiterar sua vontade de oficializar a relação no final de tudo
aquilo, fosse a missão bem sucedida ou não.
Ainda
com sentimentos conflitantes, Agnes aceitou ir para à casa do namorado. Pediu
que ele parasse no meio do caminho para comprar seu vinho favorito, queria se
reconectar com o futuro marido e quem sabe reacender o sentimento que tinham um
pelo outro.
___
Brindaremos a que? __ perguntou ela.
___
A um recomeço. __ respondeu ele
Não
ficaram só na primeira garrafa, quando já estavam no meio da segunda, foram
para o quarto. Não se tocaram, nem se beijaram, apenas tiraram as roupas em
silêncio e se olharam. Várias perguntas estavam no ar, como: “Será que ainda
nos encaixamos?”, “Será que ainda seremos felizes?”, “Existe saída para nós?”.
Uma
cadeira, esquecida ali por algum motivo qualquer, serviu para que se sentasse,
apenas para apreciá-la, para olhar aquela mulher incrível que por tantas vezes
fora negligenciada, traída e deixada de lado por ele.
Agnes
se aproximou e beijou-o de leve, havia tanta tristeza nos olhos dela que Murilo
não sustentou aquele olhar, ela não era mais a mulher que se entregara para ele
pela primeira vez há anos.
Ainda
de pé, ela passou levemente as mãos no rosto dele, depois nos cabelos e por
fim, parou na nuca.
O
cheiro dela era tão bom, tão sutil, que ele esfregou o rosto em sua vagina,
estava lisa como um pêssego. Não se contentou apenas em encostar nela, precisou
passar a língua, os dedos e novamente o rosto, enquanto ela gemia baixinho.
Mesmo
estando muito excitado como estava, foi delicado, puxou-a, de modo que ela se
sentasse sobre ele. Ela estava tão úmida e apertada que quase não conseguiu
segurar a ejaculação. Ela se mexia de frente para trás, e ele acariciava seus
seios, beijava, mordiscava, já não sabia mais o que estava fazendo.
Ela
se levantou e tornou a se sentar, mas de costas para ele, ainda com movimentos
lentos, calmos, enquanto ele tocava seu clitóris. Dessa vez Agnes gemeu mais
alto.
Ela
estava tão entregue ao próprio prazer que ele queria ver seu rosto, queria
olhar todo ele se contorcendo. Fez ela se levantar e a levou para cama.
Ambos
estimulavam a si mesmos nesse momento, nunca houvera pudores entre eles,
ocasionalmente estimulavam o outro, mas, antes que gozassem, ele a penetrou
profundamente, com força, mas sem machucar, várias vezes, até sentir seu membro
sendo apertado, mastigado por ela. Gozou.
A
sensação era diferente de tudo o que haviam sentido antes, mas nada que pudesse
apagar a grande mancha que estava crescendo no relacionamento deles, sabiam que
não haveria mais futuro para os dois, eram um barco a deriva, criador e
criatura, imersos no mar de desespero que criaram para si mesmos.
As
engrenagens deveriam continuar funcionando, Agnes continuava a manter contato
pelo telefone com Cem, mas inconscientemente estava distante e isso não passou despercebido
por ele.
Marcaram
de se encontrar na sexta, mas dessa vez o encontro foi na casa de shows onde se
conheceram.
Ele
a viu de longe, mas não se aproximou como de costume. Ela estava estranha, o
que acendeu nele velhas desconfianças.
Agnes
comprou uma garrafa de água e se dirigiu para o camarote em que ele sempre
ficava, mas o segurança não a deixou passar.
___
Olha, eu vim para falar com o Kayque. __ explicou ela.
___
Vai ter que esperar aqui. __ disse o rapaz __ Foi ele que mandou.
Isso
era novidade para ela, o que logo a fez ficar alerta.
___
Sem problemas. __ disse __ Estarei lá embaixo.
A
fim de se descontrair, ela dançou bastante, até quase não sentir as pernas.
___
Por que não esperou lá em cima? __ era a voz dele.
___
Por que não me deixou entrar? __ perguntou ela.
___
Você está toda esquisita, não responde as minhas mensagens e quando responde
não fala quase nada. __ disse ele.
Aquela
seria uma conversa longa e Agnes não achava que ali seria o melhor lugar para
isso. No alto da comunidade havia uma espécie de mirante que dava para ver toda
a cidade, foram para lá.
___
Kayque, estou passando por alguns problemas. __ foi verdadeira __ Não sei como
lidar com você, não sei o que nós temos. Quanto tempo isso vai durar? O que faremos
no futuro?
___
Agnes, __ ele nunca a chamara pelo nome __ eu sou um homem todo errado, e um
dia vou pagar o preço por isso, seja na cadeia, morto pela polícia ou por outros
bandidos. Minha vida é essa... a minha vida, não a sua, eu sei. Mas, ninguém
sabe quanto tempo tem pela frente, ninguém conhece o futuro, as pessoas vão
vivendo. Quanto tempo nós vamos passar juntos? Eu não sei. Você já teve outros
relacionamentos e também não sabia quanto tempo ia durar. Eu não tenho nada
para te oferecer, mas sou sincero quando eu digo que gosto de você, gosto de
tudo em você e não estou te enganando, como já devem ter feito na tua vida.
Aquele
homem estava sendo honesto com ela. De repente, todo o plano tão bem elaborado,
de cumprir a missão e não se envolver com ele foi por água abaixo, ela o beijou
com ternura, ficaram abraçados e voltaram para a casa noturna.
Não
vasculhou a casa dele naquele final de semana, seria arriscado demais. Na manhã
seguinte, bem cedo, começou uma movimentação diferente na casa de Kayque.
Orelha e alguns outros que ela já conhecia esperaram que Cem se vestisse para
conversarem. Discreta, ela ficou no quarto, mas tentando ouvir cada palavra.
___
Cem, as armas não vão mais poder ficar onde estão, os homens vão acabar
descobrindo, semana passada eles apreenderam um fuzil e uma pistola com os
garotos lá de baixo. Já mandaram avisar que a fronteira está muito vigiada, não
estão conseguindo mandar nada nem do Paraguai, nem da Argentina, os garotos não
podem tirar mais nenhuma arma do quartel. Estão de olho na gente. Subir a
comunidade vai ser difícil, temos vários moradores do nosso lado, mas também
temos muitos que são X-9 da polícia.
Ficaram
em silêncio, a situação era grave.
___
Tem uma casa lá perto do mirante, ela está vazia. D. Maria morava lá, mas ficou
muito ruim para ela subir todo dia, pegamos uma mais embaixo para ela.
Agnes
entendeu por “pegar” que algum morador foi expulso da própria casa para que
eles pudessem exercer esse falso paternalismo.
___
Não concordo, __ disse Cem __ é muito longe para pegar se surgir alguma
emergência.
Acabaram
se decidindo por uma casa bem no meio do morro, tinha uma mangueira no quintal,
ela não sabia onde ficava, mas tentaria descobrir. Eles cavariam o chão e
enterrariam tonéis de óleo diesel vazios para guardar as armas ali dentro.
Enfim
uma informação importante.
Quando
a “reunião” acabou, Agnes correu pra o banheiro, queria dar a impressão de que
estava tomando banho e não ouvira a conversa. Kayque juntou-se a ela no
chuveiro, já chegou enlaçando ela pela cintura, Agnes segurou a mão dele e a
levou para baixo. O box, todo envidraçado, era grande o suficiente para que os
dois ficassem confortáveis.
Ele
começou beijando as costas dela, de cima até embaixo, sem se deixar de
acariciá-la, depois subiu beijando o ventre, os seios e pescoço e os lábios.
Agnes entendeu a deixa e começou pelo pescoço, lambeu os mamilos, tocou com a
língua a barriga musculosa, brincou com os pelos da virilha até que olhou para
cima e o viu com os olhos fechados, na expectativa. Ela abriu a boca, de modo a
captar um pouco da água que saía do chuveiro, encheu-a parcialmente,
esquentou-a com o seu hálito. Foi delicada, a princípio sugou apenas a glande
para dentro de si, depois todo o membro, tomando cuidado para mão machucar.
Depois
fez o mesmo caminho de volta, até os lábios dele. Kayque a encostou na parede,
levantou uma de suas pernas e entrou nela, rápido, frenético. Os seios dela
esmagados contra os dele eram macios, a barba lhe arranhara o rosto, mas ela
não se importava, cada vez que ele a penetrava era mais um gemido que ela dava,
chegaram ao clímax quase ao mesmo tempo.
Em
sua cabeça, Agnes pensava que o homem que a amara era apenas Kayque, um homem
que não chegara a viver plenamente. Cem, era para os outros... Cem era o homem
capaz de uma série de coisas que ela não queria saber. Estava se iludindo,
ambos conviviam muito bem, dentro de um só.
Mas
o amor só enxerga o que quer, ainda mais quando é parcial. Ela estava dividida,
entre dois grandes amantes, entre dois pequenos-grandes homens, cada um, a sua
maneira, a levara a extremos, a lugares que ela não conhecia, mas que sabia,
seriam fatais.
Concentrou-se
apenas em sua respiração, todo o seu corpo parecia estar voltado para isso:
respirar, sorver ainda o ar carregado do cheiro de sexo, de inconseqüência, de
paixão... de desterro.
Dormiu.
Um sono pesado, não percebeu quando seus corpos se afastaram, ou ainda, quando
ele saiu da cama e a olhou com preocupação.
O
destino dele até poderia ter sido escrito em algum lugar, mas Kayque tinha uma
grande parcela de responsabilidade no que fizera, sempre achara que sua jornada
seria curta, até mesmo sonhara com aquilo, se via como uma espécie de estrela,
um astro celeste, alguém que manteria sua luz mesmo depois de morrer.
Mas
aquela garota “da pista” era diferente, ela não sabia bem como funcionava a
favela, os moradores, o comando, ela não sabia no que estava se metendo e ele
não teria como protegê-la. Mantê-la por perto era egoísmo puro, mas não
suportaria imaginar que ela pudesse estar longe dele. Era fraqueza, era fraco
então.
Quando
voltou para casa, Agnes não ligou para Murilo, queria pensar mais um pouco
antes de tomar essa atitude. Racionalizou por quase uma semana antes de
finalmente passar a informação.
Imediatamente
o comandante foi avisado sobre a localização do paiol, poderiam sobrevoar a
favela com um drone e mapear melhor a área.
A
mensagem dizia apenas o quanto Murilo estava agradecido, nada mais, não pedira
para vê-la ou dizia que ia ligar.
A
secura daquilo a incomodou, não tinha mais tanta certeza de que não gostava
mais do policial. A vida dela se tornara um imenso pântano, era enganosa. Quando
sentia que a terra era razoavelmente firme e que podia pisar, se sentia segura,
mas no passo seguinte ela se tornava instável. Suas emoções estavam fora de
controle e isso a perturbava.
___
Não quero lidar com isso agora. __ disse Agnes em voz alta.
___
O que foi, amiga? __ perguntou Carolina, a outra vendedora da loja.
___
Carol, minha vida está tão confusa, que nem vale a pena falar sobre isso. __
respondeu a jovem.
___
Falar ajuda bastante. __ insistiu a amiga.
___
Estou dividida entre duas pessoas, quando acho que gosto de um, porque temos um
passado, descubro que ele não é quem eu pensava, quando eu gosto de outro,
penso que não é a pessoa ideal, que não tem futuro. __ resumiu o mais que pôde.
___
Agnes, acho que os dois estão no mesmo nível. Talvez você deva se afastar de
ambos.__ concluiu Carolina.
___
É..., mas existem certas situações que não podemos sair facilmente, não sem
grandes perdas. __ disse e encerrou a conversa.
Se
deixando levar pela correnteza, ela foi para a casa de Kayque. Ele a recebeu,
mas disse que estava de saída, pediu que ela esperasse ali.
Ela
esperou por um bom tempo, até ter certeza de que ele já estava longe e começou
a procurar por anotações, uma caderneta, qualquer coisa que considerasse
importante. Olhou na cozinha, na sala, nos quartos e até mesmo no banheiro e
não encontrou nada. Desolada, foi para o terraço, a noite estava quente, mas
havia uma leve brisa.
Ficou
imaginando o quão luxuosa era a vida que ele levava, tudo era lindo naquela mansão,
o que contrastava terrivelmente com o resto da comunidade. As casas eram
simples, muitas não tinham acabamento, várias sequer eram embolsadas por fora.
As pessoas levavam uma vida dura, conviviam com o medo, a qualquer momento
poderia ter tiroteio, até mesmo quando levavam suas crianças para a escola.
Mas
também tinham momentos de alegria, eram pessoas muito amigas, trabalhadoras, ajudavam
umas as outras na hora da necessidade, eram festeiros e gostavam de sorrir.
Elas eram totalmente diferentes das clientes que Agnes via na loja, com seus
corpos esculpidos por bisturis e narizes empinados.
Olhando
novamente para aquele suntuoso terraço, que contava com piscina e uma moderna churrasqueira
de parede, algo chamou sua atenção: o carvão que estava ali dentro era novo,
não havia sido usado e ninguém faria isso, a umidade poderia fazer com que o
mineral estragasse.
Agnes
foi até lá e revolveu um pouco as pequenas toras e o que viu deixou suas mãos
trêmulas: ali estava um caderno de capa dura, sabia que era a contabilidade do
tráfico, a prova que Murilo precisava, finalmente o final de sua jornada.
Ainda
tremendo muito, lavou as mãos e fotografou com o celular cada página, do início
ao fim, colocou-o novamente no lugar, tornou a limpar-se e sentou na
espreguiçadeira, sob a luz da lua.
Seu
passaporte para o futuro estava assegurado, respirou fundo.
“O
que farei agora?”, perguntou a si mesma. Na verdade Murilo não a obrigara a
fazer parte de tudo aquilo, ela que se sentira na obrigação de ajudá-lo. Sentia
um pouco de medo do namorado, mas não tinha certeza do que realmente ele seria
capaz de fazer. Ao descer daquela moto, na primeira noite em que vira Kayque,
ela escolhera correr riscos. “Mas por quê?”, continuava cruelmente a se
questionar, “Por quê?”.
A
veia lateral de seu cérebro começara a saltar, uma imensa dor de cabeça estava
por vir. A resposta estava ali, mas ela não queria admitir: “infelicidade”.
Agnes
se sentia infeliz, depositara no namorado uma carga muito grande de
responsabilidade, de acordo com sua ótica destorcida, ele seria o detentor de
toda a sua felicidade, casariam, teriam filhos e seriam felizes para sempre.
Desconsiderou completamente as discussões que tinham, os acessos de raiva dele,
suas inconsistências, dúvidas, assim como as dela própria. O possível conto de
fadas era muito mais interessante que a vil realidade. Havia indícios muito
pontuais de que Murilo não partilhava dos mesmos anseios que ela, mas abrir mão
de um sonho era difícil para ela, mesmo sabendo que talvez se transformasse em
pesadelo e desilusão. Condenara sua alma a ser prisioneira de suas fantasias de
princesa no castelo.
____
Você fica linda assim distraída. __ disse Kayque.
Ela
o admirou, estava prestes a acabar com a vida dele, mas nutria sentimentos por
aquele belo moreno que lhe sorria.
____
Gata, deixei meu celular lá embaixo, mas me empresta o seu para tirarmos uma
foto nossa. A lua está linda lá em cima. __ pediu ele.
Agnes
achou que seu coração explodiria de tanto bater. As fotos do caderno de contas
ainda estavam na galeria do telefone, ele acabaria descobrindo tudo.
“Como
pude ter sido tão burra?”, pensou, “Por que não enviei logo para o Murilo e
apaguei tudo?”
O
descuido quando se comete uma traição, nada mais é do que desejo de ser
descoberto, de acabar com a tensão, de se reconciliar consigo mesmo. Ela estava
a beira de um colapso com a ideia de ser morta, e ali estava o incontestável
momento.
Algumas
pessoas descrevem o afogamento como quase confortável, como silencioso, um
contato hipnótico, algo que lembra a vida intrauterina. Era como se Agnes
estivesse flutuando. Por algum motivo se lembrou de algo que lera anos antes, a
“Regra dos três”, dentre os vários itens postulados, um deles é de que se pode
sobreviver por três minutos sem oxigênio embaixo d’água. Encontrou forças para
nadar até a superfície e respirou bem fundo.
___
Está aqui. __ buscou deixar a mão firme ao entregar o aparelho para ele.
Ele
o segurou por alguns instantes.
___
Gata, é melhor você tirar, as “selfies” que eu faço sempre saem horríveis. __
disse Kayque
Agnes
pegou o aparelho novamente e fez a foto, eternizou seus sorrisos naquele
instante, nunca se esqueceria daquele dia.
Disse
a ele que não estava se sentindo bem, que queria ir para casa, o que lhe rendeu
uma pergunta:
___
Gata, você está se cuidando? __ perguntou ele.
___
Me cuidando? __ ela parecia estar confusa.__ Kayque, acho que você está me
confundindo. Sempre usamos preservativo. __ disse com raiva.
___
Claro, me desculpa. __ disse ele.
A
raiva foi tanta que ela sentiu gotículas de suor na testa, seu sangue
fervilhava nas veias. Imaginava que ele teria outras, mas nunca passou pela
cabeça dela que ele a confundiria dessa maneira. Ciúmes, ela estava com ciúmes.
Ao
chegar a casa, ligou para Murilo.
___
Oi. __ ele atendeu.
___
Eu consegui mais uma coisa. __ ela foi direto ao assunto.
___
Quer vir aqui?__ perguntou ele.
___
Se você quiser, posso mandar por mensagem. __ disse ela.
___
Agnes... precisamos conversar. Venha até aqui, é melhor. __ pediu ele.
Ela
não esperava, achava que o relacionamento deles havia acabado. Mas foi de
coração aberto.
As
fotos foram passadas para o computador dele e encaminhadas a várias pessoas.
Ela o deixara a vontade para fazer ligações e falar com quem deveria.
Aparentemente uma operação seria deflagrada nos próximos dias: a polícia
cercaria a favela por terra e pelo ar. Um helicóptero com até sete homens
fortemente armados se posicionariam estrategicamente sobre o paiol, de maneira
que os meliantes não teriam acesso as armas, ficariam cercados.
Mas
outros telefonemas seriam dados, uma ação como aquela deveria ser muito bem
pensada, até porque Cem tinha informantes em todos os lugares, não seria tão
fácil assim acabar com a quadrilha.
Havia
uma anotação muito importante no caderno, um grande carregamento de drogas
chegaria em seis dias, de caminhão, dentro de móveis que supostamente seriam
levados para alguma daquelas casas. Analisando as possíveis rotas por onde o
veículo passaria, um caminho era certo: uma grande via de acesso. Montariam uma
blitz bem no final da tarde e revistariam todos os carros, a fim de disfarçar o
que realmente estavam procurando.
___
Agnes, __ disse Murilo bem sério __ você não pode mais aparecer por lá, quando essa
carga for apreendida, imediatamente vão desconfiar de você.
Ela
não prometeu desaparecer da comunidade, apenas baixou os olhos, pois sabia que
estaria arriscando alto, mas não conseguiria ficar longe de Kayque. Murilo
entendeu aquilo como sinal de aquiescência, também não mencionou que incursionariam
na favela no mesmo dia, pois possuíam mandados de prisão para Cem e muitos
outros criminosos.
Eles
se despediram de maneira simples, com um beijo no rosto.
Dia,
ou dias suaves, tranquilos podem ser indicativos de que uma grande tempestade
se aproxima. Agnes, naquela semana e há muito tempo, estava vivendo as duas
situações, estava completamente tumultuada por dentro, mas buscava aparentar
calma e tranquilidade. Mesmo com as clientes mais esnobes e enfadonhas, ela era
gentil e atenciosa.
Com
dores de cabeça constantes, devido as longas noites em claro, e grandes
olheiras, Agnes resolveu ver Kayque, justamente no dia em que pegariam as
drogas.
A
comunidade estava em festa, vários brinquedos foram distribuídos mais cedo para
as crianças, havia bolas coloridas enfeitando as traves da quadra de futebol e
confetes pelo chão. Aquela era a comemoração anual do dia das crianças,
totalmente patrocinada pelos traficantes. Várias pessoas passaram por ali, mas
aquela hora, só estavam mesmo os relutantes em deixar as bebidas grátis para
trás.
Essa
era uma das muitas estratégias usadas para iludir os moradores, para fazer de
conta que os marginais não eram tão ruins assim, a finalidade era fazer com que
ajudassem em caso de invasão da polícia, de milicianos ou de facções rivais. O
preço por tudo aquilo era alto e seria cobrado em breve.
Cem
estava feliz, com uma lata de cerveja na mão e na cintura, sua arma preferida:
uma pistola Colt, calibre 45 banhada a ouro e com punho de prata. A peça pesava
aproximadamente 935 gramas, o que causava um volume excessivo na cintura dele.
Agnes
achou que ficaria contente, afinal, queria estar com aquele homem, mas sua
certeza esmoreceu, olhando assim, friamente e fora da cama, ele não passava de
um fracassado. Viver de crime não é fácil, como muitos dizem, mas não justifica
ele sequer ter tentado algo diferente.
___
Gata, __ ele chamou__ venha aqui! Vamos tomar uma cerveja. Vamos festejar.
Freud
disse que às vezes um charuto é só um charuto. Agnes pensou que aquela situação
não passava meramente do que foi: conseguir informações.
Quando
estava se aproximando dele, ouviu um estampido forte. Olhou na direção do som e
viu vários policiais fardados atirando. Ficou em choque, não conseguiu se mover
do lugar. Viu Kayque puxar a arma e atirar de volta, gritando:
___
São os homens, peguem os ferros!
Mas
havia um helicóptero sobrevoando por ali, eles não conseguiriam desenterrar as
armas.
Kayque
puxou Agnes para junto de si, fez com que ela se jogasse no chão. Orelha estava
próximo e atirando contra os policiais. O som dos tiros era assustadoramente
alto. As balas voavam para todos os lados, a cena era de guerra, pessoas
correndo para se abrigar, algumas chorando.
Quando
Agnes levantou um pouco a cabeça, viu Murilo. Os olhos se encontraram, os dele
aparentavam surpresa e decepção, os dela, apresentavam a mesma surpresa. A
jovem se sentiu traída por si mesma e pelo ex, que não lhe contou tudo, mais
uma vez.
Ela
estava tão perto de Kayque que podia ver uma veia pequena, na lateral da cabeça
pulsando forte, os olhos dele estavam vidrados, atirava como se a arma fosse uma
pluma, algo fácil de manusear, o cheiro de pólvora era forte, impregnava os
sentidos e a fumaça fazia os olhos dela arderem.
Uma
voz masculina gritou alto, era Orelha, fora atingido, havia sangue saindo de
sua boca e nariz, mas ninguém foi socorrê-lo, morreria ali, sem amigos e sem
auxílio. Alguns correram, outros, encorajados pela cocaína que haviam consumido
pouco antes, ficaram ali, reagindo.
Depois
que uma faísca quente queimou o rosto de Agnes, ela olhou para o lado e viu que
Kayque estava sangrando, havia sangue nela também, mas antes que pudesse ver
como ele estava, os tiros continuavam, mais perto dela, eram outros bandidos,
talvez um deles fosse aquele que tomaria o lugar de Cem na hierarquia do
tráfico. Alguém gritou de alegria quando atingiu não um, mas dois alvos.
Sem
tempo para chorar, ela se arrastou pelo chão, de quatro começou a engatinhar
buscando outro abrigo, todas as janelas das casas estavam fechadas, o mesmo
poderia ser dito das portas. Cega de terror ela sabia que tinha que sair dali,
ficou de pé e, correu o mais que pôde por aquelas vielas, não se preocupou com
o fato de que estava pisando no esgoto que corria a céu aberto, estava focada
em sobreviver.
Por
mais de uma hora durou o tiroteio, a polícia conseguiu dominar temporariamente
a comunidade, vários homens foram presos, assim como um grande carregamento de
drogas e várias armas: um fuzil 762, uma submetralhadora, algumas espingardas,
duas granadas, coletes a prova de bala, além de um fuzil ponto 30, com
capacidade para derrubar um helicóptero.
Além
das apreensões, a polícia militar do Rio de Janeiro sofreu duas baixas, os
sargentos João da Rocha Lima e Murilo Vieira de Sousa ficaram gravemente
feridos, não resistiram, faleceram antes de chegarem ao hospital. O
sepultamento seria no cemitério Jardim da Saudade.
Os policiais mortos receberiam medalhas póstumas por bravura e subiriam de patente.
Todas
essas informações, Agnes leu na internet, usando o computador da prima em algum
lugar do nordeste do país.