Hoje me perguntaram o que me fez querer seguir
o caminho do magistério, achei que tinha a resposta na ponta da língua, mas
fiquei tão surpresa quanto Santo Agostinho deve ter ficado quando lhe
perguntaram o que é o tempo. Refleti profundamente sobre a resposta dele: “Se
ninguém me perguntar, eu sei explicar, se me perguntar, eu já não sei.”, como
se isso pudesse trazer minha resposta.
A menina estava fazendo
um trabalho para a faculdade, aquela era uma das muitas perguntas a que eu
deveria responder. Pensei em abordar o assunto de forma didática, explicando
todo o meu percurso até chegar ali, abandonei imediatamente a ideia. Formulei
uma resposta mais complexa, que envolvia todo um ideário social revolucionário,
também deixei de lado todo esse conceito e finalmente me vi respondendo que
queria simplesmente deixar uma marca nos meus aprendizes.
Os belos olhos
castanhos da estudante do segundo período de Letras continuaram a me inquirir,
mas não lhe disse o que aquilo significava para mim, essa é a minha história de
amor com a profissão, não a dela.
Quando a jovem se foi,
provavelmente pensando no quanto eu fora vaga, cismei em racionalizar minha
resposta e concluí: se deixarmos pegadas nas areias da praia, o mar as apagará,
caso as deixemos na neve, os próprios flocos gelados ou o degelo tratará de
fazer o serviço, podemos ainda fincar nossos pés nas estradas de terra batida que
existem por aí, no asfalto quente das ruas, nas vielas barrentas onde o
pavimento ainda não chegou, nas escadas, nos morros... tudo isso será apagado
pelo tempo.
Mas nada varrerá da
mente de nossos alunos o que conseguirmos passar para eles, mesmo que não se
lembrem o nosso nome, mesmo que não se recordem do som da nossa voz, mesmo que
sequer evoquem os tempos da escola...
Não precisamos que
guardem todas as fórmulas de física, precisamos que se lembrem que é uma
ciência que trata do estudo da natureza e de como ela interage conosco; que a
matemática nos ajuda a desenvolver o raciocínio; que a química está em tudo,
desde elementos da natureza até nós mesmos, os humanos; que a biologia se
dedica a entender todas as formas de vida do planeta.
Temos ainda a história,
que pode ser usada a fim de compreender o passado, o presente e ainda tecer
considerações sobre o futuro, queremos que nossos pupilos tenham ciência de que
a geografia é muito mais do que gravar nomes de mares e rios, que a filosofia
nos torna seres mais críticos, mais reflexivos, menos passivos diante das
mudanças do mundo; a sociologia nos mostra como a sociedade funciona, ou ainda,
onde ela é falha; a educação artística serve para se expressar, entender a
expressão dos artistas e ainda, como forma de aquisição cultural; as línguas
estrangeiras, tão massacradas, tão diminuídas pelo sistema, servem não apenas
para ensinar gramática, mas para aproximar os estudantes das músicas que ouvem
e dos filmes que assistem, é uma forma de descortinar um pouco as culturas
estrangeiras; a educação física não estimula apenas a feitura de exercícios
físicos, por meio dela, novos talentos da ginástica e do esporte podem ser
descobertos...
Não por acaso deixei
para falar por último sobre a nossa língua materna. Afinal para que ela serve? “Falamos
português!”, dizem, “Não precisamos estudar isso!”, argumentam eles.
Entendendo o falar como
fator de identificação social, precisamos ensinar nossos a alunos a se
expressar bem, tanto na oralidade, como na escrita, a fim de que não sejam
rotulados por “favelados” e outros termos pejorativos. Através do ensino de
Língua Portuguesa, podemos mostrar que o lugar deles é onde quiserem estar,
seja em uma comunidade ou em um teatro, seja em uma “resenha”, como
carinhosamente chamam suas próprias festas, ou na universidade, onde é o lugar
deles.
Oferecendo o nosso
melhor, na medida do possível, porque hoje o nosso melhor está condicionado,
infelizmente a fatores externos, estaremos marcando-os, para sempre, rumo ao
futuro.
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